Como amar à Deus? Comentários ao Tratado sobre o amor de Deus, São Bernado de Claraval.
Quem encontra o consolo na lembrança de Deus e quem está mais apto a amá-lo. 11. Mas é interessante ver quem encontra o consolo na lembrança de Deus. Não são os homens corrompidos que irritam Deus sem parar e de quem é dito: “Mas ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação!” (Lc 6,24); mas são os que podem exclamar de verdade: “meu ser recusou todo conforto” (Sl 76,3); acreditaremos neles de bom grado se acrescentarem, com o salmista: “Lembro-me de Deus e fico gemendo; medito, e meu respirar vacila” (Sl 76,4). É justo, de fato, que aquele que ainda não goza da presença do bem-amado mire os olhos no futuro, e que aquele que desdenha qualquer consolo da torrente dos acontecimentos transitórios aprecie bem as lembranças do que permanece eternamente. Tais são aqueles que buscam o Senhor e a face do Deus de Jacó, ao invés dos próprios interesses. Para aqueles que suspiram por Deus e clamam por sua presença com todo o querer, sua lembrança é doce; mas longe de apaziguar a fome, ele a aumenta para o alimento que deve lhes satisfazer. Previu esse alimento quando disse, falando de si: “Os que me comem terão ainda fome” (Eclo 24,29). Igualmente diz quem se nutriu: “Eu me saciarei com tua imagem” (Sl 16,15). Contentem-se, entretanto, desde já, os que têm fome e sede de justiça, pois ninguém senão eles serão saciados. E ai de ti, raça má e perversa, ai de ti, povo tolo e insensível, que não se contenta com sua lembrança e que teme sua presença. Têm razão para temer, pois não veem como escapar das redes dos caçadores, porque “[...] os que querem se enriquecer caem em tentação e cilada” (1Tm 6,9); não poderão um dia escapar desta palavra dura, bem dura e bem cruel: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos” (Mt 25,41). Quanto mais é suave e doce isto que ouvimos repetir todos os dias na Igreja, ao lembrar da paixão: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” (Jo 6,54). Isso quer dizer: aquele que honrou minha morte e, seguindo meu exemplo, mortifica sua carne sobre a terra terá a vida eterna; ou ainda: se repartes meu sofrimento, repartirás também meu reino.
É como se tivessem tirado de você o seu grande amor e você tivesse sede de justiça, e essa sede aumenta-se e aumenta-se a sua força para buscar ela, mas esse amor não se perdeu ainda, ele existe, mas você está em busca, esse amor é o de amar a Deus, como se numa guerra, você tivesse sido abandonado e se entrega-se nos braços de Deus e se deleita-se nesse amor, pois quem ama, ganha presentes, mas nessa guerra, você se torna forte e começa a atacar o inimigo e não ser consumido, mas procurando ser consumado com a vitória.
"2. Quem compreendeu o que precede não pode ignorar por qual razão devemos amar a Deus. Se isso escapa aos infiéis, Deus desconcerta sua ingratidão pelos inúmeros bens que ele concede para o bem-estar do corpo e da alma. Não é dele, com efeito, que o homem recebe o pão que o alimenta, a luz que o ilumina e o ar que respira? Mas seria tolice enumerar os bens que digo serem inumeráveis, e me basta citar os mais importantes, como o pão, o ar e a luz; se os coloco em primeiro lugar, não é porque os acho os mais excelentes, mas são os mais necessários ao corpo. Sobre os bens de primeira ordem, é na alma, esta porção de nosso ser que supera a outra, que devemos buscá-los: são a dignidade, a inteligência e a virtude. Quando falo de dignidade no homem, é ao seu livre-arbítrio que faço alusão; com efeito, é por ele que se eleva acima de todos os outros seres vivos, e que os submete a seu domínio. Pela inteligência reconhece sua dignidade e também compreende que ela não provém dele. Enfim, a virtude o faz buscar com ardor seu Criador e abraçá-lo com força, quando o encontra."
A verdadeira felicidade do homem é a sua honra, pois nela está a dignidade e as virtudes para ter ela, quando o homem não ama à Deus, ele foge de buscar honras e de ter moral e entra nos prazeres carnais que vou mostrar mais na frente e é sempre consumido e não busca ser consumado.
"Que possuis que não tenhas recebido? E, se recebeste, por que haveria de te ensoberbecer como se não o tivesses recebido?” (1Cor 4,7). Ele não diz simplesmente: “Por que haverias de te ensoberbecer?”. Mas adiciona: “como se não o tivesses recebido”, para mostrar que é não repreensível se glorificar do que se tem, mas se glorificar 7 do que se tem como se não tivesse sido recebido."
Ele tira e dar, enriquece e empobrece, como foi Jó, então devemos seguir esse exemplo, pois as riquezas não podem comprar a honra e o prazer de carregar a cruz, amando a Deus, ou seja, o maior prazer de todos e com a esperança de um dia se ver o fim da miséria, a homens que tem inveja dos bens de outros, a homens que se acostumaram a viver na sua miséria, mas o verdadeira homem feliz é aquele que ver o fim da miséria e ver o poder de Deus acontecer, pois tudo é ele que define e isso só se pode sentir se se viver e fazer, é como um homem que busca muitas riquezas mundanas, nesse caso se busca o Reino de Cristo, mas naquele caso, o prazer nunca é consumado, na verdade, como já dito anteriormente, o homem é consumido, mas nesse outro, o prazer de amar a Deus é amá-lo sem medida, e o fruto do amor é ele mesmo.
"Por que isso? Porque aquele que age assim não adquiriu a inteligência para fazer o bem, mas, ao contrário, premeditou a fraude em seu leito (Sl 35,4-5), e tentou, como um servidor infiel, desviar e mesmo roubar para seu próprio proveito a glória que seu grande mestre deveria receber por causa dos bens que sabia perfeitamente, pela virtude da inteligência, não serem seus."
"Que nos foram mostrados em sua morte e em sua ressurreição. É o pensamento de Davi, quando disse: “Deus falou uma vez, e duas vezes eu ouvi. Isto: a Deus pertence a força, e a ti, Senhor, pertence o amor” (Sl 61,12-13). Cristo o comprovou plenamente porque, após morrer para expiar nossos pecados, ressuscitou para nos justificar, subiu ao céu para nos proteger e enviou o Espírito Santo para nos consolar; e, mais tarde, retornará para consumar nossa salvação."
Existe um livro melhor que o espírito santo? Vale muito mais que o ouro fino.
: “Penso, com efeito, que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que deverá revelar-se em nós” (Rm 8,18). Então, este momento tão curto, tão fugidio, das aflições da vida atual produz em nós o peso eterno da glória incomparável (2Cor 4,17) se, ao invés de nos determos nas coisas visíveis, nos dirigirmos às invisíveis.
O peso doce e leve de carregar a Cruz de Cristo, para não como prazer final ver o fim da miséria, mas para um dia se deleitar no banquete celeste, que espera aquele que o busca, a vida eterna, sem miséria e sofrimento, mas apenas a esperança de ver o fim da miséria, faz da cruz ser um julgo doce e leve.
"O que concederei ao Senhor por tudo isso? A razão e a justiça natural me impõem uma obrigação premente de me dar inteiro àquele de quem recebi tudo o que sou, e de consagrar todo meu ser a amá-lo. A fé também me diz para ter por ele um amor tão grande que compreendo bem que devo estimá-lo mais do que a mim mesmo, porque se recebi tudo o que sou a 16 partir de sua munificência."
"Faremos o mesmo para as vantagens que obtemos desse amor; pois, se devemos amar a Deus sem nos preocupar com a recompensa, não deixamos, no entanto, de ser recompensados ao amá-lo."
Para aqueles que tem fé, tudo é possível, como é bom receber presentes do Pai.
"Não vemos diariamente os homens donos de terras e propriedades comprar novos terrenos e, na sua ambição sem fim, ampliar o limite de seus domínios? Aqueles que habitam nas moradas reais, em vastos palácios, não param de anexar novas construções às já existentes; tomados por uma curiosidade incessante, nada fazem senão construir e destruir, modificando suas formas. E quanto aos homens cobertos de honras, não os vemos constantemente aspirar, com todas as forças e com uma ambição cada vez mais difícil de satisfazer, a postos mais elevados? Isso não tem fim, porque em todas essas coisas não se encontra um objetivo que seja propriamente o mais elevado e o melhor."
Mas o homem que busca amar a Deus, ele é consumado, e não deixa que esses homens desordenados e ignorantes façam o mal para com os seus irmãos, pois nem todos são filhos de Deus, mas aqueles que são, estão na melhor situação possível, pois são filhos de um Pai todo poderoso.
"Se se quer alcançar o objetivo proposto e conseguir enfim aquilo cuja posse aplaca todos os desejos, por que procurar em tantas direções? Isso é se afastar do reto caminho, e a morte virá bem antes de se atingir o objetivo desejado."
"Ora, consomem-se em esforços vãos e não chegam a uma consumação feliz, porque estão mais apaixonados pelas criaturas do que pelo Criador, e, dirigindo-se a todas elas, experimentam-nas uma após outra, antes de pensar em experimentar o Senhor que as criou todas. É para lá que iriam com certeza, se pudessem um dia chegar ao termo de seus desejos, quer dizer, possuir todo o universo, menos aquele que é seu autor."
O autor do universo, existe um melhor livro? Um melhor autor do que esse? Quem o busca e o ama é feliz.
"Eis como faz com que o homem animal e carnal, que só sabe inicialmente amar a si mesmo, comece em seguida, mas ainda assim por ele, a amar a Deus, vendo por sua própria experiência que recebe dele todo seu poder, ao menos para o bem, e que sem Deus não pode absolutamente nada."
A humildade faz desaparecer os piores demônios, pois os piores males são os da soberba, os da inveja, e aquele que sabe que não é nada, não busca nada, a não ser amar e se deleitar no amor de Deus e quando recebe presentes de seu Pai, para fazer o bem, como assim Moíses recebeu no Egito, ele sabe que ele não é nada e tem piedade dos maus e não sofre mal algum, ao contrário, salva até mesmo os maus, do próprio mau, mas não por soberba, mas por prazer, prazer de amar a Deus.
"Feliz daquele que subiu ao quarto grau do amor e que não mais ama a si mesmo senão por Deus. Vossa justiça, Senhor, é tão elevada quanto as mais altas montanhas (Sl 35,7); este quarto amor é semelhante, um monte muito alto, uma grande montanha fértil (Sl 67,16); qual homem poderá escalá-la? (Sl 23,3). Quem me dará as asas da pomba, a fim de que possa voar ao seu cume e repousar? (Sl 54,7). É um lugar calmo, é a morada de Sião (Sl 75,3). Ah! Como é longo meu exílio! (Sl 119,5)."
"Quanto ao escravo e ao mercenário, eles têm, um e outro, uma lei, mas não a receberam do Senhor; eles a fizeram para si: um não amando Deus, outro não o amando acima de todas as coisas. Sua lei, repito, é a deles, e não aquela de Deus; porém, a sua está submissa àquela, porque se cada um pode fazer uma lei para si, não pode subtraí-la da ordem imutável da lei divina. No meu ponto de vista, é fazer uma lei para si preferir sua própria vontade à lei eterna e comum e, por uma imitação do Criador, que chamarei contrária à ordem, não reconhecer como mestre senão a si, nem outra regra que não seja sua própria vontade – a exemplo de Deus, que é sua própria lei e não depende a não ser de si mesmo. Ai! Por todos os filhos de Adão, essa vontade que inclina e curva nossa fronte até nos aproximar do inferno [1] (Sl 87,4) é um fardo pesado e insuportável! “Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte?” (Rm 7,24). Ele me oprime a tal ponto que, se o Senhor não viesse em minha ajuda, faltaria pouco para que fosse precipitado no inferno (Sl 93,17). É sob o peso desse fardo que lamenta aquele que disse: “Por que me tomas por alvo? E cheguei a ser um peso para mim?” (Jó 7,20). [2] Por estas palavras: “um peso para mim”, quis dizer que estava sob sua própria lei e era o próprio autor dela. Mas quando começa por dizer, dirigindo-se a Deus: “Por que me tomas por alvo?”, mostra que não escapou da ação da lei divina; porque é ainda próprio dessa lei eterna e justa que todo homem que recusa submeter-se a sua doce autoridade tornase seu próprio tirano, e que todos aqueles que rejeitam o jugo doce e o fardo leve da caridade são forçados a gemer sob o peso opressor de sua própria vontade. Assim, de uma maneira admirável a lei divina fez daquele que a abandona ao mesmo tempo um adversário e um sujeito; pois, por um lado, não pode escapar da lei da justiça, segundo o que merece; e por outro, não se aproxima de Deus, nem de sua luz, nem de seu repouso, nem de sua glória: então está ao mesmo tempo curvado sob o poder de Deus e excluído da felicidade divina. Senhor meu Deus, por que não limpais meu pecado e por que não fazeis desaparecer minha iniquidade, a fim de que, rejeitando o peso opressor de minha própria vontade, respire sob o leve fardo da caridade, e que, não estando submetido aos abraços do temor servil nem aos ataques da cupidez mercenária, não seja mais possuído senão pelo sopro de vosso espírito, deste espírito de liberdade que é aquele de vossos filhos (Rm 8,14)? Quem prestará testemunho e garantirá que eu também, eu estou entre vossos filhos, que vossa lei é a minha e que estou no mundo como vós estais? Porque é bem certo que, enquanto se observa este preceito do Apóstolo: “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo” (Rm 13,8), se está neste mundo como está o próprio Deus, e não se é mais nem escravo, nem mercenário, mas filho de Deus."
Aquele que foge da caridade, é escravo do medo, é escravo dos prazeres carnais, mas aquele que carrega a sua cruz, se deleita no maior prazer espiritual, que é o de amar a Deus, e no final tem piedade desses, pois a justiça divina não falha, e quem poderá ser contra o filho de Deus? A coragem, como diz Aristóteles, é um ato racional e virtuoso, não é um ato imprudente, imprudente diga-se quando o homem age sob o efeito de suas emoções, os que fazem aqueles primeiros, escravos dos prazeres carnais, mas aquele que entende o poder de Deus, age racionalmente, pois sabe que irá triunfar, a coragem vem mesmo de entender isso e de saber o que se está fazendo, como dizia César, o homem que está preparado para a guerra, vai e vence, os que não estão, são derrotados, virá pó, mas aqueles que morrem por Cristo, viverão eternamente, e comerão na mesa celeste, e os que não morrem por ele, morrem nos prazeres carnais, ou seja, eterno escravos do pecado e não tem nem o prazer da esperança de ver o fim da miséria.
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